segunda-feira, junho 25, 2007

Ermos amantes

Esquecida através do tempo, ela procurava o seu lugar. Tinha a chave, procurava a fechadura. Era sal sem mar.
Todos os dias quando acordava se indagava se seria hoje o dia final de solidão. Todas as noites chegavam com o peso da negação.
Naquele dia, acordou com uma sensação de frio na barriga, como em antecipação a algo muito bom. Levantou-se e olhou para o espelho. A superfície vítrea devolveu-lhe o brilho dos seus olhos. Vestiu-se e tomou o pequeno-almoço, preparando-se para sair.
O sol sorria-lhe, entre todos os dias chuvosos que tinham passado, e dava-lhe os bons dias.
Olhou para cada pequeno detalhe arquitectónico dos edifícios que a acompanhavam na sua jornada, maravilhando-se, como se estivesse a descobrir um mundo completamente novo.
Os cheiros que pairavam no ar inundavam-lhe as narinas, tentando-a a provar o céu, as flores e as árvores.
Pairou ao longo de todo o trilho, caminhando sem tocar o chão, e sentou-se na fresca sombra de um carvalho à beira de um lago.
Aquele era o seu sítio especial, o seu porto de abrigo. De dentro da mala tirou o livro e perdeu-se no espaço e no tempo. Mergulhou com sofreguidão no enredo, entrelaçando a alma nas personagens, fazendo dos seus gestos vida, renascendo a cada página.
Esta era uma rotina, privar-se do mundo exterior, mergulhando nos desejos mais secretos e profundos de si, auxiliada pelos companheiros de sempre. Não, não era uma rotina, porque em cada livro, em cada página, ela encontrava o amor. Chamem-me tola, mas era o amor que ela encontrava. Sentia sempre que estava a reencontrar com um amante há muito perdido. Era tal a sofreguidão e devoção que dedicava aos livros, que temia nunca encontrar um amor que igualasse aquele que sentia, quanto mais superar…
Fechou o seu amado daquele fim de tarde (como o tempo passa depressa em boa companhia) e levantou-se, seguindo pelo parque, os olhos ainda brilhantes de expectativa e ansiedade.
Ao passar ao lado de um Salgueiro-chorão, um olhar prendeu a sua atenção. Era cativante e pousava nela quase a medo. Ele corou, como se não se achasse merecedor da atenção dela, e desviou o olhar embaraçado. Ela sorriu-lhe e seguiu o seu caminho para casa.
Aquele olhar tinha mais do que pretendia mostrar. Era profundo e secreto, ela já o tinha visto, cada qual em seu mundo, tão diferentes e tão iguais.
A noite regressou mais uma vez com a negação, mas hoje trazia o abraço quente do veludo negro e deixava antever o amante que já a espreitava com olhos profundos do alto da sua prateleira.

22/06/07 Afal

Sem comentários: